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Safo tem obra relançada

Posted in Cultura e Arte with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on agosto 9, 2017 by Psiquê

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Um belíssimo resgate à obra de Safo de Lesbos, foi o presente que a Revista Cult trouxe nesta semana. E o Espartilho, resolveu, homenagear este relançamento.

Seus versos foram imitados por poetas gregos e romanos. Pela potência de sua lírica amorosa, foi chamada de décima musa, ao lado das tradicionais nove filhas da Memória. Subverteu a ordem patriarcal da sociedade grega, tornando-se modelo para poetas homens de toda a Grécia.

Apesar dessa dimensão, quase nada se sabe sobre quem foi Safo. Provavelmente nasceu no século 7 a.C em Mitilene, capital da Ilha de Lesbos, próxima à costa da Ásia Menor. A palavra lésbica, anacrônica para se referir à Safo, tem raízes na ilha em que a poeta nasceu. Mantinha uma escola só para mulheres, na qual as professoras eram amantes das alunas, à maneira da tradicional pederastia masculina ateniense.

Compunha seus versos celebrando o amor homoerótico entre mulheres, no contexto ritualístico e performático dessa escola. Foi exilada, por questões políticas, por volta de 650 a.C. na Sicília. Desconhece-se a causa de sua morte.

A dificuldade de delinear quem foi Safo de Lesbos ocorre tanto pela distância histórica quanto pela sua dupla condição de mulher e lésbica, afirma Guilherme Gontijo Flores, tradutor, poeta, professor de Letras Clássicas da UFPR e responsável pela tradução dos Fragmentos completos de Safo, publicado neste mês pela Editora 34.

“Por ser mulher, a sociedade grega patriarcal dava menos valor à sua biografia, havia muito menos interesse em sua história do que em sua poesia. Esse fascínio é tardio, e quando começa a surgir, tem um segundo empecilho, o lesbianismo”, afirma Gontijo Flores. Hipóteses de que a poeta teria se suicidado pelo amor de um homem ou de que teria sido uma cortesã são, segundo ele, tentativas de apagar esse dado de sua biografia.

A partir do século 19, no entanto, foi justamente a sua sexualidade que passou a provocar interesse no público. Segundo Gontijo Flores, esse lugar “fora do eixo” de Safo abre espaço para o questionamento dos valores do cânone literário ocidental, além de ser “fundamental para discussões de gênero”, uma vez que ela foi a fundadora do canto amoroso homossexual no ocidente.

Safo compunha poesia para ser cantada ao som da lira. Por conta dessa tradição oral, suas composições só começaram a ser estabelecidas em texto por volta do século 3 a.C. Dos nove livros que registravam sua produção poética, compilados pelos eruditos da Biblioteca de Alexandria, restaram apenas um poema completo, ‘Hino a Afrodite, e cerca de duzentos fragmentos.

A nova tradução, que Gontijo Flores começou a preparar há dois anos apenas como “experiência afetiva”, sem pretensão de publicar, reúne todos esses fragmentos conhecidos, inclusive um encontrado em 2004 e dois recém-descobertos em 2014.

Mulher, homossexual, a poeta grega vai contra toda tradição literária ocidental. Para Gontijo Flores, a obra de Safo faz o leitor perceber que outra história da literatura era (e ainda é) possível. Uma que não seja centrada na narrativa heterossexual masculina. “Se eu abro o cânone a partir de Safo há uma chance política tanto para repensar o presente e suas possibilidades como para fazer uma revisão histórica profunda.”

Paulo Henrique Pompermaier

Publicado originalmente na Revista Cult

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Cineclube Delas

Posted in Comportamento, Cultura e Arte with tags , , , , , , , , on janeiro 3, 2017 by Psiquê

Utilidade Pública para nós feministas e amantes de cinema:

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O Cineclube Delas é um espaço feminista para reflexões acerca da figura do feminino no cinema, suas representações e significados, a fim de promover um debate, sob a perspectiva de gênero, sobre como os filmes desdobram questões pertinentes ao lugar das mulheres na sociedade.
Curadoria de Camila Vieira e Samantha Brasil.
Produção: Cavideo.

Luto pelo fim da cultura do estupro

Posted in Comportamento, Conscientização with tags , , , , , , , , , , , , , on maio 27, 2016 by Psiquê

Os últimos acontecimentos no país: o episódio de um estupro coletivo em 27 de maio de 2015, no estado do Piauí e o mais recente fato ocorrido em maio de 2016, quando uma menina de 16 anos foi desumanamente violentada por 30 monstros, chamam atenção para a urgência de combatermos a frequente tolerância para com o estupro e a violência contra a mulher em nossa sociedade.

Se você é mulher, certamente já parou para pensar na roupa que ia usar ou no trajeto que precisaria fazer e nas prevenções que precisaria tomar para evitar algum assédio ou investida na rua. Já temeu que algum homem no transporte coletivo encostasse em você, que em uma rua mais deserta, alguém te seguisse, que o comprimento de sua saia, o modelo do seu vestido ou o corte da sua blusa provocasse reações indesejadas no meio da rua. No Brasil, ser assediada na rua é muito frequente. Embora muitas dessas situações, sejam constantes e quase “inevitáveis” nas ruas do país, o medo é uma coisa que nos acompanha cotidianamente.

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É inacreditável que em pleno século XXI, as mulheres ainda precisem temer tanto por sua segurança. É inadmissível que muitas mulheres e homens em nossa sociedade continuem a culpar a vítima pelo ato de violência sofrido: seja pela vestimenta, pelas escolhas, pelas companhias, pelas atitudes. O respeito deve ser IMPERATIVO, ainda que uma mulher queira colocar uma roupa curta, sair para dançar, usar um batom vermelho, o que for, ela é livre e não pode ser atacada por ninguém. Se ela não quiser ter relações sexuais com quem quer que seja, não é lícito forçá-la, seja qual for a sua ideia em relação a ela.

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O estupro é sempre culpa e responsabilidade do estuprador. A violência é sempre culpa e responsabilidade daquele que violenta. Homens e mulheres são iguais em deveres e direitos perante a lei, e nada justifica qualquer ato de violência sobre uma mulher que queira andar com pouca roupa ou quiçá nua. Os discursos legitimadores de atos violentos na boca de mulheres é mais assustador ainda.

Se você tem acompanhado as discussões dos últimos dias, reflita e se una a todas nós no combate a essa cultura do estupro tão comum em nossa sociedade.

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Aproveito para compartilhar a contribuição de Marina Ferreira em sua página no Facebook que reflete e refuta muito bem o discurso de alguns sobre o comportamento ideal das mulheres “não estupráveis”.

“Se ela estivesse estudando isso não aconteceria!”
Menina estuprada em escola de São Paulo reconhece agressores: http://glo.bo/1TZ6Ej0

“Se ela estivesse na igreja isso não aconteceria!”
Jovem é estuprada dentro de secretaria de igreja em Brasília: http://bit.ly/1NQpoVc

“Se ela estivesse em casa isso não aconteceria!”
Morre jovem encontrada com sinais de estupro dentro de casa na Zona Norte: http://bit.ly/1qMl4Lu

“Se ela estivesse trabalhando isso não aconteceria!”
Jovem é atacada e estuprada a caminho do trabalho: http://bit.ly/1P19Wpq

“Se ela tivesse um namorado fixo isso não aconteceria!”
‘Meu namorado me estuprou por um ano enquanto eu dormia’: http://bbc.in/27UhJvG

“Se ela fosse mais família isso não aconteceria!”
Adolescente com deficiência física é estuprada pelo tio em RR: http://glo.bo/1THnB47

“Se ela fosse menos ‘puta’ isso não aconteceria!”
Menina (de 1 ano e meio) morta em igreja foi violentada: http://bit.ly/1Z3LEM4

“Se ela tivesse mais cuidado isso não aconteceria!”
Jovem é estuprada em estação do Metrô de São Paulo: http://bit.ly/1WnjCgw

#nãoéculpadela #nãoéculpadavítima #pelofimdaculturadoestupro #espartilho #feminismosim #queroumdiasemestupro

Representatividade

Posted in Comportamento with tags , , , , , , , , , , , , , , , on maio 13, 2016 by Psiquê

Eu não pretendo aqui comentar o que está acontecendo no Brasil, porque envolve muitas decisões absurdas e indefensáveis. O foco deste texto é a montagem do Governo interino, que assumiu a gestão do país,  em 12 de maio de 2016, tendo empossado 24 Ministros de Estado, todos eles homens: sem qualquer representatividade para mulheres, negros, indígenas e outros grupos que compõem nossa diversidade.

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A Revista AzMina  fez uma matéria interessante sobre o tema. Este Governo retoma um passado um pouco distante, uma vez que desde a gestão de Ernesto Geisel (1974-79) é o primeiro que não nomeia nenhuma mulher dentre o seu quadro de Ministros.

Segundo o texto: O presidente interino que assumiu a liderança do Brasil em 12 de maior “será o primeiro presidente desde de Ernesto Geisel (1974-1979) a não incluir ninguém do sexo feminino no governo federal. Aqueles que acham que representatividade na composição do governo não importa, alegam que os nomes foram decididos com base em mérito e não em gênero. O que não percebem, no entanto, é o quanto esse argumento é machista: ele pressupõe que nenhuma mulher teria mérito ou competência à altura da vida política.

Nada poderia ser menos verdadeiro. E para provar isso, [o AzMina criou] uma lista de mulheres com capacidade e experiência mais que necessárias para dirigir ministérios no Brasil – muitas deles com bem mais competência que os homens nomeados em seu lugar. Não criamos essa lista considerando a sujeira da distribuição de cargos dentro do partido do novo presidente e aliados, mas na pura e simples competência para o cargo sugerido. São dez nomes, para provar que seria possível chegar ao menos perto do equilíbrio 50-50%, se a seleção deixasse de lado a troca de favores e o machismo.”

Os nomes escolhidos pelo site AzMina foram as listadas a seguir. O Espartilho não fez julgamento de valor em relação à competência das indicadas, mas se solidariza com o absurdo dessa falta de representatividade:

  1. Suzana Herculano-Houzel Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações: Essa sabe comunicar e entende horrores de ciência e tecnologia. Suzana tem seis livros publicados e já fez programa no Fantástico e teve coluna na Folha de São Paulo, tudo para tornar ciência e tecnologia assuntos mais acessíveis. É neurocientista e dirige o Laboratório de Neuroanatomia Comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);
  2. Soninha Guajajara Ministério do Meio Ambiente: Coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia é uma das principais vozes do movimento indígena nacional. E quem melhor que os indígenas brasileiros para defender nossas florestas? Integrante do povo Guajajara, do Maranhão, formou-se em letras e enfermagem e já representou indígenas brasileiros em vários eventos internacionais, como a Conferência do Clima em Paris, em 2015.  No mesmo ano, foi premiada com a Ordem do Mérito Cultural, do Ministério da Cultura;
  3. Cláudia Costin – Ministério da Educação e Cultura: Cláudia é mestre em economia e doutora em administração, professora universitária e gestora pública. Já foi, inclusive, ministra da Administração e Reforma no governo Fernando Henrique Cardoso, que é de partido aliado ao de Temer. Como educadora, passou por IBMEC, Fundação Armando Álvares Penteado, Fundação Getúlio Vargas e as universidades PUC-SP, Unicamp, Unitau e UnB;
  4. Sueli Carneiro – Ministério da Educação e Cultura: Sueli é doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e criadora de diversos programas culturais que promovem a igualdade racial e de classes. Além de ser a fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, já fez parte do Conselho Estadual da Condição Feminina e do Conselho Nacional da Condição Feminina, ambos cargos políticos;
  5. Chieko Aoki – Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão: Chieko é um monstro da economia e da gestão. Ela é fundadora e presidente da rede Blue Tree Hotels. Em dez anos, transformou a rede em uma das maiores cadeias hoteleiras do país e benchmark em excelência de serviços no setor – imagine o que ela não faria pelo país;
  6. Luiza Trajano – Ministério da Fazenda: Se o povo quer empregos e movimentação econômica, porque não entregar a máquina nacional nas mãos de uma empresária gabaritada como Luiza? À frente da Magazine Luiza, ela criou um império do varejo que mobiliou quase todas as casas do Brasil! Tem 36 milhões de clientes como presidente da companhia e, apesar do histórico familiar, soube conferir ao Grupo Magazine Luiza uma gestão de altíssimo nível e muito lucrativa;
  7. Benedita da Silva – Ministério das Cidades: Tem carreira política de sucesso e já foi governadora do Rio de Janeiro. É formada como auxiliar de enfermagem, e tem diploma universitário no curso de Serviço Social. Sua experiência gerindo o Rio certamente a torna capacitadíssima para o Ministério das Cidades;
  8. Marta Suplicy – Ministério das Cidades: Uma outra opção para o mesmo Ministério, para responder àqueles que dirão “Temer nunca nomearia Benedita pois ela é do PT” é Marta Suplicy, que já foi prefeita de São Paulo e pertence ao mesmo partido do presidente, o PMDB. Também foi deputada federal, ministra do Turismo, ministra da Cultura e a primeira mulher vice-presidente do Senado Federal;
  9. Maria Luiza Viotti – Ministério das Relações Exteriores: Em 2009, Maria Luiza tornou-se a mais importante mulher da história da diplomacia brasileira ao representar o Brasil no órgão decisório máximo das Nações Unidas, o Conselho de Segurança. Hoje Maria Luiza é embaixadora do Brasil na Alemanha. Imagine que bela chanceler daria!
  10. Luiza Erundina (PSOL) – Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário: Tá, a gente sabe que nem ele convidaria, nem ela toparia, mas uma garota pode sonhar, vai! Erundina é uma das mulheres de mais fibra da política brasileira.  Assumiu seu primeiro cargo público em 1958, como Secretária de Educação de Campina Grande, na Paraíba, seu estado de origem. Foi perseguida e combateu a ditadura militar. Participou da fundação do PT, mas soube cair fora quando a coisa começou a desvirtuar. Em 1982 elegeu-se vereadora da cidade de São Paulo, quatro anos depois, foi eleita deputada estadual e em 1988, prefeita da maior cidade da América Latina, São Paulo, sendo a primeira mulher a assumir o cargo. Foi ministra da Secretaria da Administração Federal, no governo Itamar Franco. Hoje é deputada federal.”

Só temos uma coisa a fazer, lamentar e lutar para nossas conquistas não retrocedam ainda mais.

Transformações

Posted in Curiosidades with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on janeiro 31, 2016 by Psiquê

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O Espartilho foi criado há bastante tempo… No ano que vem ele fará 10 anos de existência e, ao longo desses anos, muita coisa aconteceu, muita coisa mudou…

Embora sob um olhar mais apressado o nome Espartilho possa remontar uma época em que as mulheres tinham menos liberdade e autonomia sob si próprias e suas vidas, desde sua criação este blog sempre teve compromisso com a liberdade, as angústias, inquietações, alegrias, prazeres e escolhas femininas. Não é à toa que seu subtítulo diz respeito à tentativa de entender o Universo Feminino. Ocorre que ao longo desses anos, ele também amadureceu e introduziu outros temas também importantes e interessantes e hoje, questiono se não deveria abordar a questão feminina sob uma ótima ainda mais ampla e profunda, incluindo temas que dizem respeito às discussões sobre teoria de gênero, liberdade, direitos e respeito, muito respeito.

Como aqui sempre foi um espaço nosso, convido vocês, meus amados leitores, a acompanhar e compartilhar um pouco dessa inquietude que envolve o tema, dado que vivemos em uma sociedade ainda repleta de insegurança e preconceitos em relação ao respeito às identidades que não se enquadram em padrões conservadores pré-estabelecidos e concebidos como “normais”.

Mais do que entender o “universo feminino”, buscamos entender as prisões, anseios e liberdades possíveis às mulheres, em um mundo em constante transformação. Entender os papeis que, muitas vezes, inconscientemente reproduzimos: com muitos “deveres” considerados femininos, que nada mais são do que a expressão de um pensamento explicita ou implicitamente machista. Já passou da hora de nossa luta ser majoritária e barulhenta, não  há mais tempo a perder. Somos iguais – em direitos, deveres, capacidade e habilidades – e toda e qualquer outra afirmação é preconceituosa e machista.

Indicações para estudar sobre gênero e sexualidade

Posted in Comportamento, Gênero, Sexualidade with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on outubro 10, 2015 by Psiquê

Meus amores, desculpem a ausência. Tanta coisa acontecendo e meu tempo para me dedicar ao querido e sempre presente Espartilho, acabou diminuindo.

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Compartilho com vocês um texto com dicas interessantes para o estudo de gêneros e sexualidade em um texto da Julieta Jacob no site Erosdita. Interessantíssimo, não deixem de ler…

*TEXTO: Angie C. Bautista Silva, Caio Castro, Cássio Oliveira, Cícera Amorim, Katarina Vieira, Maria Eduarda Barbosa, Suênia Azevedo

Seja você pesquisador(a) ou apenas uma pessoa curiosa sobre o assunto, vale a pena dar uma olhada nas sugestões a seguir. Todos os textos já estão com link para download. E se você tiver outras dicas para indicar, é só deixar nos comentários. A gente agradece!

1- Problemas de Gênero – Feminismo e Subversão da Identidade. Autoria: Judith Butler

Judith Butler propõe observar, de maneira geral, o modo como as fábulas de gênero estabelecem e fazem circular sua denominação errônea de fatos naturais. Os textos estão reunidos de modo a facilitar uma convergência política das perspectivas feministas, gays e lésbicas sobre o gênero com a da teoria pós-estruturalista.

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>>> CLIQUE AQUI PARA LER Problemas de Gênero

2- História da Sexualidade – A Vontade de Saber – Vol. 1. Autoria: Michel Foucault

Ao longo dos anos 1970, Michel Foucault dedicou seu trabalho no Collège de France à análise do lugar da sexualidade na sociedade ocidental. Sua reflexão encontrou no sexo e na sexualidade a causa de todos os acontecimentos da vida social. O filósofo empreendeu uma pesquisa histórica, estabelecendo uma antropologia e uma análise dos discursos acerca desse tema tão fundamental para a condição humana. É reconhecidamente um dos grandes trabalhos do pensador e fonte de pesquisa e consulta para milhares de estudiosos.

>>> CLIQUE AQUI PARA LER A História da Sexualidade

3- A Reinvenção do Corpo: Sexualidade e Gênero na Experiência Transexual. Autoria: Berenice Bento

Este livro se ancora em histórias de vida de pessoas que mudaram o corpo, cirurgicamente ou não, para se tornarem reais, para não serem “aberrações” (expressão comum entre os/as transexuais), e sugerirá que as explicações para a emergência da experiência transexual devem ser buscadas nas articulações históricas e sociais que produzem os corpos-sexuados e que têm na heterossexualidade a matriz que confere inteligibilidade aos gêneros. Ao mesmo tempo porporá que o suposto “transexual verdadeiro”, construído pelo saber médico, que tem como objetivo final para implementação da masculinidade/feminilidade a realização das cirurgias de transgenitalização, esbarra em uma pluralidade de respostas para os conflitos entre corpo, sexualidade e identidade de gênero internas à experiência transexual.

>>> CLIQUE PARA LER A Reinvenção do corpo

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4- Manifesto Contrasexual — práticas subversivas de identidade sexual. Autoria: Beatriz Preciado

Aqui, o aclamado filósofo espanhol (no masculino mesmo) Beatriz Preciado dinamita, com seu humor corrosivo e rigor teórico, tudo aquilo que se entende por sexualidade. Os estereótipos homem/mulher, homo/hétero, natural/artificial vão progressivamente sendo despedaçados através das análises que o autor faz sobre o dildo, a história do orgasmo e a atribuição de sexo. Se de início é curiosamente divertido, a cada capítulo aprofunda-se nas contradições relacionadas às noções contemporâneas de gênero e desejo. É inspirado pelo pensamento de Michel Foucault, Gilles Deleuze, Judith Butler e Jacques Derrida que o autor inaugura a contrassexualidade: uma teoria do corpo que é, também, estratégia de resistência ao poder.

>>> CLIQUE AQUI PARA LER Manifesto Contrassexual

5- Gênero, Sexualidade e Educação – Uma Perspectiva Pós-estruturalista. Autoria: Guacira Lopes Louro

Este livro tem o caráter de introdução aos estudos de gênero. Apresenta conceitos e teorias recentes no campo dos estudos feministas e suas relações com a educação. Estuda as relações do gênero com a sexualidade, as redes do poder, raça, classe, a busca de diferenciação e identificação pessoal e suas implicações com as práticas educativas atuais. Tanto serve de material para estudantes como para professoras/es, como incentivo amplo à iniciativa feminista e de outros grupos.

>>> CLIQUE PARA LER Gênero, Sexualidade e Educação

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6- Pensando o Sexo: Notas para uma Teoria Radical das Políticas da Sexualidade. Autoria: Gayle Rubin. 

Rubin afirma a necessidade da separação analítica entre gênero e sexualidade, pensando o sexo como um vetor de opressão que atravessa outros modos de desigualdade social, tais como classe, raça, etnicidade ou gênero. A autora questiona a fusão cultural de gênero com sexualidade, feita por feministas radicais anti-pornografia, para as quais a sexualidade organiza a sociedade em dois sexos (um dos quais oprime o outro).

>>> CLIQUE PARA LER Pensando o Sexo

7-  Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Autoria: Joan Scott 

O próprio título do artigo anuncia o gênero como um executor teórico-metodológico para análise histórica. Por isso, Joan Scott inicia o artigo desconstruindo a intenção de se implementar certas ideias às coisas, evidenciando que assim como as palavras, as ideias também têm seu dinamismo e contexto social.

>>>CLIQUE PARA LER Gênero: uma categoria útil para a análise histórica 

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8- Gênero e sexualidade nas pedagogias culturais: implicações para a educação infantil. Autoria: Jane Felipe de Souza

O artigo visa problematizar as relações existentes entre pedagogia, gênero e sexualidade na educação infantil, a partir da perspectiva dos Estudos Culturais e dos Estudos Feministas. A autora considera que a pedagogia e o currículo devem ser compreendidos a partir de sua intrínseca relação com as questões históricas, políticas e culturais, todas elas envolvidas nas tramas do poder, no sentido que lhe confere Foucault (1992).

>>> CLIQUE PARA LER Gênero e sexualidade nas pedagogias culturais

9- Sexualidade, cultura e política: a trajetória da identidade homossexual masculina na antropologia brasileira. Autoria: Sérgio Carrara e Júlio Assis Simões

O texto tenta explorar a forma como, supostamente, o brasileiro organiza as categorias ou identidades sexuais, transformando-se às vezes num eixo para a construção de uma identidade nacional caracterizada como exótica, retardatária e “não-ocidental”. Também traça paralelos entre dois momentos da reflexão sobre as relações entre sexualidade, cultura e política.

>>> CLIQUE PARA LER Sexualidade, cultura e política 

10- Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas. Autoria: Guacira Lopes Louro

A autora visa mostrar que gênero e sexualidade são construídos através de inúmeras aprendizagens e práticas, empreendidas por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais, de modo explícito ou dissimulado, num processo sempre inacabado e diz que na contemporaneidade, essas instâncias multiplicaram-se e seus ditames são, muitas vezes, distintos.

>>> CLIQUE PARA LER Gênero e Sexualidade: pedagogias contemporâneas 

11- Quando o “estranho” resolve se aproximar: a presença da professora transexual e as representações de gênero e sexualidade no ambiente escolar. Autoria: Tiago Zeferino dos Santos

A pesquisa tem como objetivo geral analisar as representações de gênero e sexualidade (re)produzidas no espaço escolar por estudantes e profissionais de educação a partir da inserção de uma professora autodefinida transexual em uma escola de Ensino Fundamental da cidade de Tubarão/SC.

>>> CLIQUE PARA LER o texto de Tiago Zeferino

12- Violência de Gênero, Sexualidade e Saúde. Autoria: Karen Giffin

O presente artigo discute os resultados de uma recente análise de dados internacionais sobre a violência contra a mulher, bem como as consequências para a saúde dessas formas de violência, nas quais o perpetuador é normalmente o parceiro da vítima. A segunda parte do artigo desenvolve questões relacionadas às raízes da violência, incluindo a construção social de identidade de gênero, relações de gênero e sexualidade, dentro de uma tradição dualista que separa mente e corpo, enfatizando elementos biológicos da sexualidade e definindo homens e mulheres como radicalmente diferentes. Para concluir, argumenta que as atuais críticas à visão dualista tem construído novas e mais integradas visões a cerca das sexualidades e seres humanos.

>>> CLIQUE PARA LER o texto de Karen Giffin

13- Sexualidade e gênero: ensaios educacionais contemporâneos. Autoria: Maria Rita de Assis César

Este texto analisa alguns dos caminhos que os discursos e as práticas sobre a sexualidade e o gênero percorreram na instituição escolar brasileira, em especial nas últimas décadas. A partir de uma perspectiva ancorada nos conceitos de Michel Foucault, especialmente nas noções de dispositivo da sexualidade e biopolítica, analisou-se a produção discursiva e institucional acerca da sexualidade na escola. A partir de questionamentos oriundos da teoria queer realiza-se uma reflexão contemporânea sobre a sexualidade na escola a partir de autoras feministas como Judith Butler e Deborah Britzman, que demonstram as (im)possibilidades de uma abordagem sobre a sexualidade que se dê de forma a interrogar os dispositivos de controle e manutenção da ordem discursivo-social.

>>> CLIQUE PARA LER o texto de Maria Rita

14- Educação e docência: diversidade, gênero e sexualidade. Autoria: Guacira Lopes Louro

Minha proposta é compartilhar e discutir com vocês algumas reflexões. Entendo que esse trabalho não é apenas teórico, mas é também político. As questões em torno dos gêneros e das sexualidades não envolvem apenas conhecimento ou informação, mas envolvem valores e um posicionamento político diante da multiplicidade de formas de viver e de ser. Como a escola tem lidado com tudo isso? Como nós, professoras e professores, nos vemos diante dessas questões? Quais são nossos pontos de apoio e onde se encontram nossas fragilidades e receios?

>>> CLIQUE PARA LER o texto Educação e docência

15- Gênero, sexualidade e a produção de pesquisas no campo da educação: possibilidades, limites e a formulação de políticas públicas. Autoria: Jane Felipe

O presente texto tem por objetivo discutir a produtividade do conceito de gênero como ferramenta teórica e política, abalando certezas tão firmemente alicerçadas em torno das diferenças biológicas, que serviram durante muito tempo para justificar as desigualdades entre homens e mulheres. A consolidação dos Estudos de Gênero, dos Estudos Gays e Lésbicos e da Teoria Queer no campo acadêmico traz a possibilidade de pensar que existem muitas formas de viver as masculinidades e as feminilidades e que estas são construções sociais e culturais, elaboradas minuciosamente por inúmeros discursos, áreas de conhecimento e instituições.

>>> CLIQUE PARA LER o texto de Jane Felipe

16- Ser professora, ser mulher: um estudo sobre concepções de gênero e sexualidade para um grupo de alunas de pedagogia. Autoria: Ana Paula Costa e Paulo Rennes Marçal Ribeiro

Este trabalho tem por objetivo investigar as concepções de relações de gênero de um grupo de alunas do curso de Pedagogia que já atuam na educação escolar como professoras. Para a realização desta pesquisa qualitativa, de tipologia analítico-descritiva, foi utilizada uma entrevista semiestruturada com as universitárias escolhidas. A construção e a análise do objeto têm como fundamentação teórica os estudos de Michel Foucault, Joan Scott e Guacira Lopes Louro. Constatamos que, em um processo de “acomodação” e “resistência”, as categorias “mulher” e “professora” se fundem, o que obscurece, em certa medida, a atuação da professora como profissional da educação.

>>> CLIQUE PARA LER Ser professora, ser mulher

17- Diversidade sexual e de gênero na escola. Autoria: Alexandre Bortolini

A coexistência de diferentes sujeitos e construções culturais no interior da escola nos faz pensar sobre os processos de interação que se dão nesse contexto de relações sociais. Diferentes correntes vêm produzindo teorias e categorizações que nos ajudam a pensar essas relações que envolvem igualdade, desigualdade e diferença. A idéia aqui é tentar pensar sobre a diversidade sexual e de gênero na escola numa perspectiva relacional, problematizando essencializações identitárias, entendendo essa questão como indissociável dos debates que hoje povoam esse campo mais amplo e trazendo não só os(as) autores(as) que trabalham com gênero e sexualidade, mas também as contribuições das discussões sobre cultura e interculturalidade.

>>> CLIQUE PARA LER o texto de Alexandre Bortolini

18- O gênero nas políticas públicas de educação no Brasil: 1988-2002. Autoria: Cláudia Pereira Vianna e Sandra Unbehaum

Orientado pela teoria das relações de gênero, este artigo examina as principais leis, planos e programas federais que especificam as diretrizes nacionais das políticas públicas de educação no Brasil. Entre os documentos privilegiados para análise destacam-se a Constituição Federal (CF/1988), a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996), o Plano Nacional de Educação (PNE/ 2001) e os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (PCN/1997). Mostramos que adotar a ótica de gênero para a análise dessas políticas permite avaliar como elas podem facilitar ou dificultar a aquisição de padrões democráticos, uma vez que a política educacional não tem um papel neutro, dissociado de preconceitos, entre os quais destacamos o de gênero.

>>> CLIQUE PARA LER O Gênero nas políticas públicas

 

Sobre o mês da mulher…

Posted in Comportamento with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on março 19, 2015 by Psiquê

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No último dia 08 de março, vi uma imagem circulando nas redes sociais que resume o que penso que devemos defender nesta data:  “Dia 8 de março* não dê bombom nem florzinha. Dê respeito.” * e nos outros dias, também. Nesta linha de raciocínio e diante de uma série de reivindicações que data ainda suscita, o texto escrito por Túlio Rossi para a Obvious Magazine, me pareceu bastante providencial. Compartilho com vocês a íntegra da reflexão dele, intitulada: “Sobre o mês da mulher: uma conversa de ‘homem para homem’.

“Tenho observado o que penso, esperançoso, ser uma mudança crescente em termos de visibilidade de pautas feministas, no que emergem diversas matizes de posicionamentos e discursos, variando da crítica refratária ao suporte incondicional às diversas lutas travadas por mulheres nos campos dos direitos, da política, do trabalho, da saúde e da sexualidade.

Nesse sentido, chamaram minha atenção os discursos rechaçando, no Dia da Mulher, atitudes tais como oferecer flores, presentes como lingeries e utensílios domésticos e diversas “homenagens” que reforçam justamente os estereótipos que os movimentos feministas tão arduamente vêm combatendo. Entendo que essas críticas atuam em três eixos fundamentais para qualquer possibilidade de transformação rumo a uma sociedade mais igualitária:

1) Atacam o aspecto mercadológico e consumista no qual um importante conjunto de lutas e reivindicações é descaracterizado e obnubilado.

2) Atacam estereótipos de feminilidade e de “romantismo” uma vez que “coincidentemente”, o símbolo utilizado para homenagear as mulheres em seu dia – rosas vermelhas – é também um dos mais expressivos clichês do jogo de sedução tradicionalmente operado no ocidente e que tem nos homens os agentes principais e nas mulheres, um simples objeto de conquista.

3) Obrigam a repensar uma atitude que, culturalmente lida na chave do elogio e da gentileza, inadvertidamente, contribui para a opressão.

Contudo, temos alguns problemas – eu diria até sociológicos – que me levam a direcionar esse texto aos homens, não como um porta-voz do feminismo, pois não tenho direito e legitimidade para isso. Simplesmente, percebo que, se do lado das mulheres há uma crescente conscientização, do lado masculino, por razões que extrapolam o senso de moralidade, essa mudança ainda é deveras tímida.

Não atribuo essa timidez tanto a um ímpeto calculado de manutenção de privilégios masculinos numa sociedade patriarcal. Um trabalhador braçal de baixa escolaridade e renda, formado num âmbito fortemente religioso e tradicionalista, que se casou cedo, teve filhos cedo e aprendeu que “tem o dever” de sustentar esse modelo de família dificilmente é capaz de enxergar seus privilégios.

Alguém que se endivida em nome da manutenção de certos modelos tradicionais de família e papéis de gênero, alguém que aprende que esta é a “ordem natural” das coisas e que deve tolerar toda sorte de abusos em seu trabalho para manter um sistema amplamente opressor certamente terá dificuldades de se ver como privilegiado.

Tenho certeza que uma série de homens que oferece rosas para as mulheres em seu dia acredita honestamente que está fazendo um bem e é incapaz de associar esse gesto “delicado”, “carinhoso”, “gentil” – fiz questão de enumerar adjetivos naturalizados como características predominantemente “femininas” – a qualquer sinal de machismo.

feminismo

E quanto um homem ou mulher não precisa ler, estudar, ouvir e refletir para se conscientizar do machismo que opera, diversas vezes, involuntariamente? E quantos efetivamente farão isso em uma sociedade já bem estruturada sobre várias desigualdades que se interpenetram, nas quais aquelas de gênero me parecem mais perversas por serem presumidas como “biológicas”, dificultando para muitos a compreensão de sua construção social e histórica?

Não quero, com isso, parecer condescendente ao machismo; muito pelo contrário. Desejo chamar a atenção principalmente dos homens para a necessidade não apenas de reconhecer que gozamos de privilégios em uma sociedade desigual, mas também de marcar que as questões relacionadas a gênero não devem ser assumidas de acordo com o que toda uma geração aprendeu no Xou da Xuxa como uma eterna disputa de “menino contra menina”.

Proponho aqui um exercício tipicamente sociológico de autocrítica. Jamais um homem poderá sentir na pele os desconfortos, medos e inseguranças que uma mulher sofre em uma sociedade machista – da preocupação em tomar um taxi a escolher o que vestir, por onde andar e aonde ir no sentido de se precaver ao máximo de sofrer uma violência sexual, por exemplo. Mas isso não o impede necessariamente de conscientizar-se criticamente de seus gestos e mudá-los.

Penso que é possível aos homens cultivarem mais empatia e, nesse sentido, às vezes tentarem se imaginar no lugar das mulheres com quem interagem. Se o sujeito não tem imaginação suficiente para isso, que tal, simplesmente, escutar? Que tal se dar alguns minutos para ler alguns depoimentos de mulheres em diversos movimentos difundidos na internet como o “Chega de Fiu fiu”?

Que tal se perguntar antes de oferecer uma rosa vermelha – que, vinda de um homem para uma mulher, frequentemente implica um convite ao sexo – se é realmente aquilo que aquela mulher deseja ou ainda: como ela vai se sentir com esse “elogio”? Que mensagens de expectativas implícitas de reciprocidade estão presentes nesse gesto tão simples?

É óbvio que uma rosa não precisa ser e nem é necessariamente um convite ao sexo. Mas dada essa associação tão forte que se constituiu historicamente, a que será que tantas mulheres não se sentem “obrigadas” – nesse sentido a língua portuguesa é fascinante com essa expressão tão peculiar de gratidão que, explicitamente, instaura uma condição de obrigação – ou cobradas a partir de determinados gestos masculinos apenas por serem mulheres?

O exercício da autocrítica é difícil; obriga-nos a sair do que acreditamos ser uma zona de conforto. Mas essa zona muitas vezes é mais um hábito e vício do que um lugar de conforto em si. A desigualdade de gêneros também cria demandas e expectativas por vezes opressoras para muitos homens; das formas que aprendem a lidar com suas emoções a diversas cobranças resumidas no imperativo: “seja homem”.

Quantos jovens não arriscam e perdem suas vidas “sendo homens” em competições de bebedeiras, dirigindo perigosamente ou mantendo relações sexuais sem proteção? E quantos na recusa disso são preteridos e até “feminilizados” de forma pejorativa? Aqui se reforça mais ainda uma significação preconceituosa do feminino ao tornar “mulherzinha” uma ofensa e uma forma de desqualificar alguém, contribuindo para o isolamento social de homens que não correspondem a esse estereótipo de masculinidade, por vezes abusivo com as mulheres.

Tenho minhas dúvidas se a manutenção dessa posição é sempre tão confortável… mas a sua naturalização torna, para muitos, assustadora e desconcertante a simples insinuação de sair dela. Sei que pode soar absurdo, mas muitos de nós homens não tem a menor ideia de que seja possível ser de outro jeito.

O ponto aqui é que lidamos com um problema social e, como tal, fazemos parte do problema, estamos dentro do problema e, justamente por isso, temos a imensa dificuldade de “olhar pra dentro”. Ninguém “olha pra dentro” realmente, diretamente. Esse nível de percepção não é possível literalmente falando. Por isso exige tanta reflexão e esforço mental, pois é sempre uma abstração influenciada por interpretações – nem sempre precisas – de sinais internos e externos.

Na melhor das hipóteses, essa percepção é mediada por algum outro instrumento que produz uma “imagem” do que está dentro. Eu não posso olhar para o meu organismo “de dentro”. Em um exame diagnóstico de imagem, não é para dentro de meu corpo que olho, é para um monitor, é para uma fotografia. Todos fora de mim.

É necessário superar a polarização entre gêneros que lê todo o problema na chave de um antagonismo homem-mulher que assume muitas vezes aspectos de brigas de torcida organizada. É necessário combater, criticar e transformar todo um sistema muito mais complexo, cheio de desigualdades que se cruzam e mudam de lugar constantemente. Pior ainda: este sistema só pode ser transformado de dentro. O desafio é semelhante a trocar o pneu de um carro em movimento.

Nesse sentido, é de suma importância que os homens prestem mais atenção às imagens que as mulheres, em seu ponto de vista específico, conseguem mediar não somente de nós mesmos, mas da nossa sociedade pautada por desigualdades – raciais, sociais, econômicas, de gênero, culturais, etc. – e que é, por meio de todos nós, difusamente opressora e oprimida.

E é de suma importância que os homens cultivem sua sensibilidade, não no sentido estereotipado de gênero como sinônimo de “cultivar seu lado mulher”. Tenho ojeriza dessa expressão. Sensibilidade não tem nada a ver com “ser mulher” assim como brutalidade não tem a ver com “ser homem”. Cultivar a sensibilidade é buscar ampliar a percepção, tanto de si quanto do(a) outro(a); daquilo que não se pode ver, mas se pode sentir e, percebendo isso, buscar interpretar o que se sente.

Cultivar a sensibilidade é estimular o tato, perceber as vezes em que há necessidade de uma aproximação mais suave e cuidadosa. Da mesma forma como aprendemos a “manusear” os pedais de um carro no ato de dirigir e como o emprego da força ou da suavidade nesse ato variará conforme uma série de elementos: do modelo do carro às condições da via, do peso que ele carrega ou do seu tempo de uso. Trata-se de algo que não somente é aprendido mas é constantemente ajustado conforme a situação.

E no fim das contas, o que me deixa às vezes perplexo é que tantas questões de relações entre gêneros são tratadas de forma tão complicada, mas muitas vezes são de puro bom senso e ética. E não é preciso se tornar porta-bandeira do feminismo pra agir eticamente e com bom senso. Ensinar os homens a não estuprar, ao invés de querer ensinar as mulheres a se vestirem para não serem estupradas, por exemplo, é puro e evidente bom senso. Particularmente, não gosto de ser visto na chave de um animal imprevisível que pode se tornar feroz e agressivo conforme um centímetro a mais ou a menos de pele que enxerga.

Ser empático com uma mulher não é um ato de concessão ou benevolência; é um ato de respeito a outro ser humano. Você, homem, não tem obrigação de ser gentil com uma mulher por que “é homem”, “mais forte” e etc. Você tem obrigação de ser gentil com uma mulher – e com homens, trans, travestis, etc. – porque vocês são gente. E o que se tem no meio das pernas não muda nada disso.

Parte considerável dos “privilégios” de homens no patriarcado não constitui privilégios em si, não são direitos de forma alguma legitimados, mas caracterizam abusos. Abusos que se tornaram naturalizados e que muitos creem como direitos, de forma bem parecida com o que acontece em muitos aspectos da corrupção em nosso país – tanto no campo da política quanto na vida cotidiana. Muitos se acham com direitos que não têm e nunca tiveram.

Assim, já é tempo de parar de atacar os direitos humanos reivindicados por mulheres, homossexuais e tantos outros grupos e assumir que nunca tivemos qualquer direito de desumanizá-los como fazemos sistematicamente.

 

Crueldade

Posted in Curiosidades with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , on janeiro 28, 2015 by Psiquê
Mulheres de Ravensbrück | Foto: Getty

A BBC divulgou hoje uma matéria sobre um campo de concentração que abrigava apenas prisioneiras mulheres, relatando parte das atrocidades que elas sofriam no local. A origem da matéria se deu a partir do lançamento do livro Se isto é uma mulher escrito por Sarah Helm, que fala sobre o campo.

Leiam a seguir a matéria na íntegra e um pouco dos horrores que as prisioneiras de Ravensbrück passavam.

Auschwitz-Birkenau, Treblinka e Dachau são notórios campos de concentração do Terceiro Reich alemão que se fixaram na consciência humana por causa das atrocidades cometidas com os homens, mulheres e crianças presos neles.

Muitos outros campos são menos conhecidos, como o de Ravensbrück.

Apesar de ter sido um dos primeiros a serem abertos – em 1939, pouco antes do início da guerra, a 80 km de Berlim, em um cenário idílico na costa báltica – e um dos últimos a serem liberados – em 1945 –, este campo de trabalho e, no final, de extermínio, permaneceu às margens da história.

Ravensbrück era exclusivamente para mulheres.

No fim da Segunda Guerra Mundial, cerca de 130 mil haviam passado por suas portas.

Entre 30 mil e 50 mil morreram de fome, de exaustão, de frio ou pelos tiros e pelo gás administrados pelos guardas nazistas.

Várias internas eram judias, mas elas não eram maioria. Havia prisioneiras políticas, ciganas, doentes mentais ou as chamadas “associais” – prostitutas ou quaisquer mulheres consideradas “inúteis” pela doutrina nazista.

“Ravensbrück era uma história com a qual eu havia me deparado e me dei conta de que era quase desconhecida”, disse à BBC Sarah Helm, que acaba de publicar um livro sobre o campo de mulheres.

O livro se chama Se isto é uma mulher, uma referência ao famoso livro do escritor italiano Primo Levi Se Isto é um homem, que descreve sua prisão por ser um membro da resistência antifascista na Itália e sua experiência no campo de Auschwitz.

“Assim como Auschwitz foi a capital do crime contra os judeus, Ravensbrück foi a capital do crime contra as mulheres”, afirma Helm.

“Estamos falando de crimes específicos de gênero, como abortos forçados, esterilização, prostituição forçada. É uma parte crucial da história das atrocidades nazistas.”

Helm diz ainda que, na fase final do campo, muito depois de ter sido suspenso o uso de câmaras de gás nos campos mais ao leste da Europa, uma delas foi construída em Ravensbrück. “Eles levaram partes das câmaras desmanteladas em Auschwitz. Até esse extermínio – no qual morreram seis mil mulheres e que foi o último extermínio em massa da história do nazismo – foi, em grande medida, deixado de lado.

Selma van der Perre foi uma das internas de Ravensbrück e contou à BBC como eram os dias naquele lugar.

“Éramos despertadas a gritos às quatro da manhã. Em seguida, tinhamos que responder à chamada e nos davam café. Nos deixavam ir ao banheiro e às 05h30 tínhamos que ir trabalhar na fábrica da Siemens, onde pagavam pelas prisioneiras: nós não recebíamos o dinheiro, ele era entregue à SS (força paramilitar nazista).”

“Trabalhávamos por 12 horas e depois voltávamos ao campo. Por volta das 20h nos davam um prato de sopa e dormíamos.”

A rotina era recheada de casos de crueldade dos quais pouco se falou. Tragédias que, ao serem contadas por sobreviventes, segundo Helm, fizeram com que ela e também seus tradutores chorassem, como a descrição de uma francesa sobre como deixavam que os bebês morressem de fome.

Outros testemunhos afirmam que algumas mulheres eram “deixadas quase nuas na neve até morrerem” e outras tinham “germes de sífilis injetados na medula espinhal”.

Em seu livro, Helm também destaca as histórias de bravura e de solidariedade, como a das “77 cobaias”, que reúne ao mesmo tempo o melhor e o pior de Ravensbrück.

Em 1942, as prisioneiras passaram as ser usadas como cobaias em experimentos científicos. Em “operações especiais”, elas tinham os músculos da pele cortados e eram inseridos vidro, madeira ou terra nos ferimentos. Algumas não recebiam tratamento e outras sim, com tipos de drogas diferentes.

Os experimentos se repetiram algumas vezes, mas quando chegou o momento de esconder as provas e matar as cobaias, todo o campo conspirou para escondê-las.

“Aqueles experimentos não provaram nada para a ciência, mas, sim, para a humanidade”, escreve Helm.

Mas por que se sabe tão pouco sobre esse campo de mulheres?

“Uma das razões principais é que, depois dos julgamentos pelos crimes de guerra, que ocorreram imediatamente depois do fim da Segunda Guerra Mundial, começou a Guerra Fria, veio a cortina de ferro e Ravensbrück ficou do lado oriental – de modo que permaneceu, em grande medida, inacessível ao Ocidente”, afirma a escritora.

“Os que estavam no leste da Alemanha não esqueceram de Ravensbrück, mas o converteram em um centro de resistência comunista, de maneira que as lembranças das mulheres ocidentais e das judias desapareceu por completo da história. Também desapareceu a história das alemãs que estiveram lá no início, que é uma das mais esquecidas.”

Eram mulheres como a austríaca defensora dos direitos da mulher Rosa Jochmann, social-democrata e membro da Resistência; como Läthe Leichter, a feminista socialista mais famosa durante o período da “Viena vermelha”, entre as guerras mundiais, e como a alemã Elsa Krug, uma prostituta que praticava BDSM (sigla em inglês para Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo), mas se recusou a bater nas outras prisioneiras.

“Ignorar Ravensbrück não é só ignorar a história dos campos de concentração, é também ignorar a história das mulheres”, afirma Sarah Helm.